Grupo foi surpreendido pela neve na última e mais difícil trilha da viagem, quando estava a caminho da Laguna de Los Três, na base do Fitz Roy
É impressionante como a natureza é vívida, assim como nós humanos deveríamos ser, inconstante, imprevisível (apesar das previsões), forte e senhora de si. Foi um pouco mais da fulgura deste universo que vimos durante a trilha para o Fitz Roy, ou Pico Chaltén (que prefiro, na língua Tehuelche*), durante nossa trip para a Patagônia Argentina, agora no final de novembro.
Esta trilha foi a última atividade do grupo, que esteve por 8 dias na região, e era a mais exigente. Incluia um trekking saindo do povoado de Chaltén, com pernoite no Acampamento Poincenot, subida a Laguna de Los Três – aos pés do Pico Chaltén – seguindo pelas Lagunas Madre, Hija, Nieta e alcançando a Laguna Torre aos pés do Cerro Torre. Num total de quase 30 quilômetros entre subidas, descidas, degraus, pedregulhos, lama, raízes, frio, sol e vento patagônico (sabe o vento sul no Araçatuba? Eleve a 20ª potência). Enfim, era nosso maior e dos mais lindos desafios, ficar pertinho dos ícones da escalada andinista e mundial.
Começamos quinta-feira cedo com sol entre nuvens, ascendemos os primeiros 200 metros de altitude bem despacio, era o trecho de inclinação mais acentuada da primeira parte do trekking. Fomos apreciando, cada vez mais do alto, o rio de Las Vueltas, o Paredão de Los Condores e o povoado de Chaltén. Admirando o vôo dos Condores, a destreza do pica-pau e toda a beleza da fauna e flora local.
Quando vencemos essa primeira etapa já vimos que uma nuvem, aparentemente de chuva, estava vindo do alto da montanha em nossa direção. Sabíamos que em alguns minutos teríamos de parar para vestir roupas impermeáveis, colocar capas nas mochilas… Penso que não passou pela cabeça de ninguém, nem por sonho, o que nos esperava nos próximos quilômetros e horas. Chega a garoa… Garoa, será?!?
Eu já queria me “encapar” e garantir que ninguém do grupo se molhasse mas nossa **guia local, Paula (sim, outra mulher incrível), disse que em poucos minutos estaríamos à beira da Laguna Capri onde poderíamos nos equipar e já lanchar. Apertamos o passo e seguimos. Aos poucos, os pingos de chuva foram dando lugar a pequeníssimos flocos de neve. Nos demos conta que começava a nevar e ficamos encantadas. Ainda aí, ninguém esperava que veríamos tanta neve.
Nos equipamos e lanchamos a beira da Laguna Capri, mas a partir daí a preocupação em se molhar deu lugar ao fascínio. Os pequenos flocos de neve tornaram-se enormes e a quantidade também aumentava. Lanchamos sob a neve, que aos poucos pintava de branco todos os diversos tons de verde e marrom da floresta. Pensa na experiência inesquecível e impagável…
Em êxtase retomamos a trilha, agora era preciso caminhar com ritmo para não se “congelar”. Às vezes tínhamos de exercitar braços e mãos, para ajudar na circulação do sangue e garantir que seguissem aquecidos. Como estávamos bem equipadas, apesar do frio (entre zero e -1°C), pudemos curtir ao máximo aquele momento ímpar que a mãe natureza nos reservou.
Aos poucos, vimos a colorida floresta de ñires e lengas da patagônia argentina dar lugar a uma especialíssima paisagem em preto e branco, num olhar macro. No detalhe, vimos o perfeito conjunto que o branco cristalino da neve e o verde das árvores formam. Tomamos da mais pura água, direto do gelo acumulado sob a vegetação, na terra que abriga a maior parte do estoque de água doce do planeta.
Sentimos em nossa pele o toque de milhares de floquinhos e em nossa alma o carinho de Pachamama. Privilégio? Tenho certeza! Certamente algo de bom temos feito, para merecer tamanho espetáculo. E ainda “levarmos” neve para a região, que tem sido muito seca nas últimas primaveras e verões. Todas nós guardaremos num lugar muito especial de nossos corações e alma a nevasca mais linda de novembro de 2019, na Patagônia Argentina.
*Tehuelches: povos indígenas da Patagônia
**Guia local: gostamos de tê-los sempre pelo conhecimento da terra, segurança e também para contribuir com a economia local.